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Os acontecimentos em Clevelândia não chegavam à imprensa como um todo, que estava sob censura durante o estado de sítio declarado pelo governo Bernardes.{{sfn|Brito|2008|p=14-15}}{{sfn|Heller|2006|p=167}} Deputados oposicionistas na [[Câmara dos Deputados (Brasil)|Câmara]] denunciaram muitos abusos ocorridos durante o estado de sítio, mas não mencionaram Clevelândia.{{sfn|Gasparetto|2018|p=275-276}} Os recém-chegados não sabiam o que os esperava. As notícias só começaram a sair do local em setembro de 1925, quando uma carta do militante Domingos Braz foi publicada no jornal ''[[A Batalha]]'', de [[Lisboa]].{{sfn|Braga|2013|p=230-231}} Em dezembro de 1925 outra carta foi publicada pelos jornais ''La Antorcha'', de [[Buenos Aires]], e ''O Syndicalista'', da Federação Operária do Rio Grande do Sul.{{sfn|Heller|2006|p=162}} Mas somente ao final do mandato e do estado de sítio a história repercutiu na opinião pública e a grande e pequena imprensa trouxeram depoimentos dos sobreviventes.{{sfn|Heller|2006|p=167}}{{sfn|Brito|2008|p=41}}{{sfn|Gasparetto|2018|p=274}}
Os acontecimentos em Clevelândia não chegavam à imprensa como um todo, que estava sob censura durante o estado de sítio declarado pelo governo Bernardes.{{sfn|Brito|2008|p=14-15}}{{sfn|Heller|2006|p=167}}{{sfn|Melo|2009|p=15}} Deputados oposicionistas na [[Câmara dos Deputados (Brasil)|Câmara]] denunciaram muitos abusos ocorridos durante o estado de sítio, mas não mencionaram Clevelândia.{{sfn|Gasparetto|2018|p=275-276}} Os recém-chegados não sabiam o que os esperava. As notícias só começaram a sair do local em setembro de 1925, quando uma carta do militante Domingos Braz foi publicada no jornal ''[[A Batalha]]'', de [[Lisboa]].{{sfn|Braga|2013|p=230-231}} Em dezembro de 1925 outra carta foi publicada pelos jornais ''La Antorcha'', de [[Buenos Aires]], e ''O Syndicalista'', da Federação Operária do Rio Grande do Sul.{{sfn|Heller|2006|p=162}} Mas somente ao final do mandato e do estado de sítio a história repercutiu na opinião pública e a grande e pequena imprensa trouxeram depoimentos dos sobreviventes.{{sfn|Heller|2006|p=167}}{{sfn|Brito|2008|p=41}}{{sfn|Gasparetto|2018|p=274}}


Jornais governistas e oposicionistas debateram quais seriam as reais condições do local no início de 1927, quando os presidiários já haviam sido anistiados. A oposição pode ser exemplificada pelos jornais [[O Combate (São Paulo)|''O Combate'']] e ''A Nação'', que representavam interesses do [[Partido Democrático (Brasil)|Partido Democrático de São Paulo]], tenentistas e [[Bloco Operário e Camponês]], e ''[[A Plebe]]'', representante dos anarquistas. A defesa do ex-presidente Bernardes e de seu governo pode ser encontrada no jornal carioca ''[[O Paiz]]''.{{sfn|Brito|2008|p=42-45}} O jornal de Justo Chermont fez reportagens sobre a beleza e bom clima de Clevelândia, e Gentil Norberto viria a público defender o local.{{sfn|Aragão|2011|p=206}}
Jornais governistas e oposicionistas debateram quais seriam as reais condições do local no início de 1927, quando os presidiários já haviam sido anistiados. A oposição pode ser exemplificada pelos jornais [[O Combate (São Paulo)|''O Combate'']] e ''A Nação'', que representavam interesses do [[Partido Democrático (Brasil)|Partido Democrático de São Paulo]], tenentistas e [[Bloco Operário e Camponês]], e ''[[A Plebe]]'', representante dos anarquistas. A defesa do ex-presidente Bernardes e de seu governo pode ser encontrada no jornal carioca ''[[O Paiz]]''.{{sfn|Brito|2008|p=42-45}} O jornal de Justo Chermont fez reportagens sobre a beleza e bom clima de Clevelândia, e Gentil Norberto viria a público defender o local.{{sfn|Aragão|2011|p=206}}

A peça de teatro ''Clevelândia'' (1927), de Euclides de Andrade, fez uma crítica à República Oligárquica em tom humorístico, do ponto de vista de um [[caipira]] preso em São Paulo por saudar os revolucionários em 1924. A peça teve boa recepção no público paulista.{{sfn|Melo|2009|p=16}} Em ''Mr. Slang e o Brasil'' (1927), o escritor [[Monteiro Lobato]] interpretou Clevelândia como o possível destino das cabeças pensantes do país. A respeito do médico [[Belisário Penna]], escreveu: "Tem feito tamanho bem à sua terra e o fará ainda tanto que - escreva o que vou dizer: acabará na Clevelândia".{{sfn|Carvalho|2019|p=74}}


[[Ficheiro:Raiz de mandioca extraída do lote do colono Luiz Nobre.jpg|miniaturadaimagem|Fotografia da propaganda oficial exibindo um colono e a raiz de mandioca colhida no seu lote|esquerda]]
[[Ficheiro:Raiz de mandioca extraída do lote do colono Luiz Nobre.jpg|miniaturadaimagem|Fotografia da propaganda oficial exibindo um colono e a raiz de mandioca colhida no seu lote|esquerda]]
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Gatunos, ex-alunos da Escola Militar{{sfn|Brito|2008|p=48}} 15 líderes anarquistas{{sfn|Brito|2008|p=59}} Até setembro de 1925, quatro faleceram, quatro fugiram e os demais permaneciam na colônia.{{sfn|Braga|2013|p=239}}
Gatunos, ex-alunos da Escola Militar{{sfn|Brito|2008|p=48}} 15 líderes anarquistas{{sfn|Brito|2008|p=59}} Até setembro de 1925, quatro faleceram, quatro fugiram e os demais permaneciam na colônia.{{sfn|Braga|2013|p=239}}

Um segundo navio chegou em 5 de janeiro de 1925 com 120 rebeldes da região amazônica.{{sfn|Heller|2006|p=157}}


O cargueiro ''Cuiabá'' deixou o [[porto de Paranaguá]] com os prisioneiros de Catanduvas no início de junho de 1925 para uma viagem de 21 dias até o Oiapoque. Numa escala no Rio de Janeiro para abastecer água e carvão, ele recebeu 23 "conspiradores" e cerca de 130 criminosos comuns e mendigos.{{sfn|Heller|2006|p=150}}
O cargueiro ''Cuiabá'' deixou o [[porto de Paranaguá]] com os prisioneiros de Catanduvas no início de junho de 1925 para uma viagem de 21 dias até o Oiapoque. Numa escala no Rio de Janeiro para abastecer água e carvão, ele recebeu 23 "conspiradores" e cerca de 130 criminosos comuns e mendigos.{{sfn|Heller|2006|p=150}}
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Revisão das 14h03min de 11 de abril de 2024

Colônia penal de Clevelândia

Criação

A colônia agrícola

Jogo de futebol em frente à casa da administração

As memórias dos prisioneiros frequentemente confundem Clevelândia com a região onde estava inserida, o Oiapoque, à época pertencente ao estado do Pará[1] e atualmente ao Amapá. O Oiapoque situa-se na fronteira com a Guiana Francesa e foi uma zona de disputas territoriais com a França até sua incorporação definitiva ao território brasileiro em 1900.[2] A região era considerada um espaço vazio, e sua ocupação era estudada pelas autoridades brasileiras desde a década de 1890. Em 1919 o Congresso aprovou a proposta do senador Justo Chermont de fundar patronatos e colônias nacionais ao longo do rio Oiapoque. O senador alertava para os contrabandistas que se aproveitavam da ausência de policiamento, fiscalização e defesa militar naquela área.[3][4] A colonização eliminaria as influências francesas da região e asseguraria a soberania brasileira.[5]

A colônia foi implantada na margem direita do rio Oiapoque, a 15 quilômetros do posto militar de Santo Antônio,[6] a alguns quilômetros rio acima da vila de Martinica.[7] A vila de Saint Georges ficava do lado oposto (francês) do rio.[8] Os primeiros colonos, retirantes da seca no Nordeste, chegaram em maio de 1921.[6] Segundo Rocque Pennafort, a população era de dois grupos distintos, um que acompanhou o coronel Chico Pennafort e outro de famílias cearenses trazidas de Belém pelo governo. Acreditava-se que a região fosse um "Eldorado" de terras férteis, apresentadas na propaganda do governo por fotografias de uma mandioca e uma cana-de-açúcar gigantes.[9] A salubridade da região era atestada por um relatório assinado em 1922 pelo diretor do Serviço de Profilaxia Rural do Pará.[10] Em 5 de maio de 1922 inaugurou-se o "Centro Agrícola Cleveland", homenagem a Grover Cleveland, presidente dos Estados Unidos que serviu de árbitro na questão de Palmas.[6]

Gado no Boulevard Rio Branco

O engenheiro-chefe, administrador e fundador da vila era Gentil Norberto.[11] A área urbana do núcleo era planejada, fato inédito para os povoados da região.[12] Até 1924 construíram-se um prédio de dois andares para a administração, uma escola com duas salas de aula, um hospital, enfermaria, hospedaria de imigrantes, posto telegráfico, serraria, igreja, várias residências e 28 quilômetros de caminhos vicinais.[6] Mas o entusiasmo inicial foi perdido e os colonos que não tiveram sucesso com a agricultura migraram para Martinica, onde encontraram trabalho nas usinas de pau-rosa. Em 31 de dezembro de 1926, Clevelândia tinha uma população de 127 colonos e 77 funcionários e comerciantes, desconsiderando prisioneiros e soldados. Os recém-chegados no período da colônia penal encontraram um clima de abandono no povoado.[13]

Transformação em colônia penal

Localização de Clevelândia num mapa do rio Oiapoque de 1933

O governo federal de Artur Bernardes (1922–1926) transformou Clevelândia no destino mais numeroso de prisioneiros políticos,[14] num contexto de um estado de sítio duradouro, cadeias superlotadas, detenções em massa e desterro.[15] Militares tenentistas derrotados nas suas revoltas armadas contra o governo, militantes operários (incluindo anarquistas), criminosos comuns e "indesejáveis" retirados das ruas do Rio de Janeiro tiveram Clevelândia como presídio a partir de 1924.[14] Pelo artigo 80 das Disposições Gerais da Constituição de 1891, o presidente poderia, durante o estado de sítio, recorrer ao desterro para manter a ordem e a lei.[10] No caso de Clevelândia, uma justificativa adicional seria um dispositivo constitucional que atribuía à União o domínio da faixa de fronteira necessária à defesa nacional[16]

Segundo Bernardes, a ideia de deportar os prisioneiros a Clevelândia não era dele, mas de seu ministro da Agricultura, Miguel Calmon, ou de Gentil Norberto.[17] Conforme o ex-ministro Calmon, "o governo só deportou para Cleveland em último caso e forçado pelos pedidos de habeas corpus ao Supremo Tribunal Federal, que não permitiam a conservação dos presos aqui" [em navios-prisão e ilhas da baía de Guanabara], e "os deportados para Cleveland foram presos que tinham os piores antecedentes e sem nenhum título especial que os recomendassem".[18][19]

Miguel Calmon apresentou ao presidente estabelecimentos do Ministério da Agricultura com espaço para receber os prisioneiros: a Ilha das Flores, os núcleos coloniais do Paraná e de Santa Catarina e os centros agrícolas da Paraíba, Piauí, Pará (ou seja, Clevelândia) e Amazonas. Segundo ele, a Ilha das Flores e Clevelândia seriam os únicos viáveis, pois os demais estavam em territórios com perigo de revoltas ou os governadores de seus estados não queriam hospedar prisioneiros políticos.[16]

Clevelândia era a colônia agrícola mais remota de todo o país, garantindo o isolamento dos presos e a impossibilidade de defesa jurídica.[19][20][21] Os prisioneiros seriam punidos pelos seus crimes ao mesmo tempo que contribuiriam à ocupação da fronteira.[22] A medida tem antecedentes no Brasil republicano, também na selva equatorial, quando centenas ou até milhares de indivíduos foram deportados para Tabatinga, Xingu, o alto Rio Branco e o Acre no governo de Floriano Peixoto e no pós-Revolta da Vacina. Esse tipo de punição em regiões inóspitas pode ser comparada à Ilha do Diabo, na Guiana Francesa, ao domicilio coatto (confinamento em ilhas do Mediterrâneo) italiano, à prisão argentina em Ushuaia e ao gulag russo.[23] O isolamento era tamanho que não havia ligação telegráfica direta a Belém; a comunicação passava pela Guiana Francesa a Paris e dali a Recife e Belém.[24]

Pontos de vista

Edição de A Plebe em 12 de fevereiro de 1927, apresentando os "grandes crimes da burguesia" ocorridos no Oiapoque

Os acontecimentos em Clevelândia não chegavam à imprensa como um todo, que estava sob censura durante o estado de sítio declarado pelo governo Bernardes.[25][26][27] Deputados oposicionistas na Câmara denunciaram muitos abusos ocorridos durante o estado de sítio, mas não mencionaram Clevelândia.[28] Os recém-chegados não sabiam o que os esperava. As notícias só começaram a sair do local em setembro de 1925, quando uma carta do militante Domingos Braz foi publicada no jornal A Batalha, de Lisboa.[29] Em dezembro de 1925 outra carta foi publicada pelos jornais La Antorcha, de Buenos Aires, e O Syndicalista, da Federação Operária do Rio Grande do Sul.[30] Mas somente ao final do mandato e do estado de sítio a história repercutiu na opinião pública e a grande e pequena imprensa trouxeram depoimentos dos sobreviventes.[26][31][32]

Jornais governistas e oposicionistas debateram quais seriam as reais condições do local no início de 1927, quando os presidiários já haviam sido anistiados. A oposição pode ser exemplificada pelos jornais O Combate e A Nação, que representavam interesses do Partido Democrático de São Paulo, tenentistas e Bloco Operário e Camponês, e A Plebe, representante dos anarquistas. A defesa do ex-presidente Bernardes e de seu governo pode ser encontrada no jornal carioca O Paiz.[33] O jornal de Justo Chermont fez reportagens sobre a beleza e bom clima de Clevelândia, e Gentil Norberto viria a público defender o local.[34]

A peça de teatro Clevelândia (1927), de Euclides de Andrade, fez uma crítica à República Oligárquica em tom humorístico, do ponto de vista de um caipira preso em São Paulo por saudar os revolucionários em 1924. A peça teve boa recepção no público paulista.[35] Em Mr. Slang e o Brasil (1927), o escritor Monteiro Lobato interpretou Clevelândia como o possível destino das cabeças pensantes do país. A respeito do médico Belisário Penna, escreveu: "Tem feito tamanho bem à sua terra e o fará ainda tanto que - escreva o que vou dizer: acabará na Clevelândia".[36]

Fotografia da propaganda oficial exibindo um colono e a raiz de mandioca colhida no seu lote

A oposição denunciou os "horrores" e a "hecatombe de Clevelândia", "o extermínio de presidiários" e "os crimes do governo Bernardes".[37] A imprensa contemporânea e a historiografia associam Clevelândia ao desterro, degredo e vazio demográfico. Expressões como "inferno verde", "Sibéria brasileira, "jardim dos suplícios", "desterro da peste e da morte", "selvas pestilentas" e "lugar inóspito" eram comuns nos jornais.[38] O local entrou para a memória anarquista como um símbolo de opressão, a "Bastilha brasileira".[39]

As revelações colocaram a imprensa governista na defensiva.[40] Na matéria "A indústria da demagogia e o filão da Clevelândia", o jornal criticou as publicações oposicionistas.[41] O jornal amenizou a imagem do local,[42] chamando-o de "comuníssima colônia agrícola"[43] e umas "pacíficas plantações de mandioca".[44] Invertendo as acusações, asseverou que "esses que hoje clamam de ramo de oliva em punho, pela paz geral, que foram eles mesmos que atearam e alimentaram a fogueira da rebeldia que tantos anos vem encharcando de sangue o território nacional",[45] e que "se não tivesse havido revolução o governo também não teria sido forçado a tomar algumas medidas severas".[44]

Para o historiador Carlo Romani, a historiografia deixou a história de Clevelândia cair no esquecimento.[46] O silêncio oficial sobre a região foi quebrado pela própria Biblioteca do Exército com a publicação de Clevelândia do Norte, do padre Rogério Alicino, em 1971.[3] Alicino tinha afinidade com os interesses do Estado e baseou-se em documentos oficiais.[47] Seu livro dedicou apenas cinco páginas à experiência penal;[48] segundo Romani, "o primeiro trabalho extenso sobre o episódio foi um capítulo no livro de Paulo Sérgio Pinheiro", Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil (1922-1935) (1991).[49] Pinheiro focou na repressão do Estado e nas lutas sociais.[50] Historiadores locais atém-se à história oficial, buscando evitar que a história do Oiapoque seja maculada pelo curto espaço de tempo em que o campo de prisioneiros existiu.[51]

Alexandre Samis, autor de Clevelândia: anarquismo, sindicalismo e repressão política no Brasil (2002), teve perspectiva semelhante a Pinheiro. Ele e Romani têm afinidade ideológica ao anarquismo ou ao socialismo libertário.[52] Para um historiador adicional de Clevelândia, Edson Machado de Brito, Pinheiro, Samis e Romani apresentaram, cada um a seu modo, a colônia penal como "marco da derrota da resistência". Ele, por outro lado, enfatiza que as dissidências sobreviveram ao degredo de parte de seus militantes em Clevelândia.[53] Samis apresenta os degredados como cidadãos presos sem culpa formada, enquanto Brito lembra o perigo revolucionário que esses dissidentes representavam ao Estado.[54]

Funcionamento

População de detentos

Prisioneiros recém-chegados do Rio de Janeiro

O número exato de prisioneiros e óbitos em Clevelândia foi uma preocupação constante da imprensa e da historiografia.[55] O número mais baixo e o utilizado por Pinheiro e Samis é o de 946, fornecido pelo relatório "Viagem ao Núcleo Colonial Cleveland", apresentado por Oldemar Murtinho, Diretor da Seção da Secretaria de Estado, ao ministro da Agricultura em 1926. O relatório identificou 262 evasões e 491 óbitos. Romani quantifica cerca de 1 200 degredados, baseado na "classificação elaborada pela polícia nas listas de envio", e lembra que existem muitos casos conhecidos de presos ausentes das listas. A estimativa mais alta foi de 1 630 homens, conforme Manoelzinho dos Santos.[56][57]

Os prisioneiros chegaram em três grandes levas e contingentes menores nos barcos mensais da linha Oiapoque-Belém. Os primeiros 419, segundo Murtinho, ou 250, segundo Alicino, chegaram à foz do rio Oiapoque em 26 de dezembro de 1924. Segundo Romani, este primeiro grupo inclui 250 militares e outros 150 presos no Rio de Janeiro e São Paulo desde a revolta de 5 de julho até o início de dezembro.[58][59][48] Os militares deste grupo haviam servido principalmente aos encouraçados e submarinos da Marinha de Guerra na capital,[60] onde em outubro e novembro, as autoridades haviam desmontado um golpe planejado pelo capitão de mar e guerra Protógenes Guimarães e superado uma revolta do encouraçado São Paulo.[61]

Uma segunda leva de 119 praças do Exército e Marinha, envolvidos em revoltas no Amazonas e Pará,[20] chegou em 6 de janeiro de 1925.[62] Em julho do ano anterior, esses estados haviam sido palco de dois movimentos tenentistas, a Comuna de Manaus e a revolta do 26.° Batalhão de Caçadores.[63][64] Uma terceira leva de militares (418, segundo Murtinho, ou 577, segundo Alicino)[65] chegou entre 8 e 12 de junho de 1925. Segundo Romani, eram cerca de 400 militares de Catanduvas, Paraná, 23 conspiradores do Rio de Janeiro e 130 ladrões encarcerados pela 4.ª Delegacia Auxiliar.[62] Os combatentes da Campanha do Paraná eram combatentes do Exército e da Força Pública de São Paulo, oriundos da revolta em São Paulo em julho do ano anterior, e haviam lutado por meses até sua rendição em 30 de março de 1925.[66][67]

Havia oficiais na colônia,[68] mas os militares degredados eram principalmente de patentes inferiores. O governo pretendia desqualificar sua posição hierárquica, enquanto os anarquistas queriam identificá-los como "filhos do povo" para incorporá-los à revolução.[69] Os civis eram ativistas de oposição, operários, sindicalistas (incluindo líderes mantidos no navio-prisão Campos) e criminosos comuns.[62][70] Alguns dos civis estavam presos na condição de suspeitos, não tinham ligação com dissidências políticas e nem eram criminosos comuns.[71] O que a polícia denominava de "indesejáveis" incluía tanto os criminosos comuns (ladrões, homicidas, malandros e vigaristas, a "escória da sociedade") quanto mendigos, capoeiras e menores de idade retirados das ruas como política de "profilaxia social".[72][50]

Cartas à imprensa permitem identificar pelo menos 20 anarquistas em Clevelândia. Muitos prisioneiros classificados simplesmente como operários ou vadios podem também ter sido militantes ou simpatizantes. Os anarquistas não tinham relação direta com as revoltas tenentistas, mas foram presos para desarticular seu movimento no meio operário e intimidar os demais militantes.[73] Os anarquistas notavam em Clevelândia uma ausência de seus rivais no meio operário, os comunistas, e chegavam a supor que eles estivessem aliados ao governo Bernardes.[74] Do ponto de vista comunista, o jornal A Nação rebateu o que chamou de "calúnias" dos anarquistas e afirmou que muitos dos "nossos companheiros padeceram em Clevelândia".[45] Alexandre Samis não encontrou o nome de nenhum comunista enviado à colônia.[75] Para Romani, a repressão oficial foi a principal causa do declínio do anarquismo na década de 1920.[45]

Transporte

Vista do porto no rio Oiapoque

chegaram em a bordo do paquete Commandante Vasconcellos. Oriundo do Rio de Janeiro e com uma escala em Belém, chegou à foz do rio Oiapoque em 26 de dezembro de 1924.

Seu calado impedia a navegação rio acima, de forma que os presos seguiram num vapor fluvial, o "gaiola", até o porto de Santo Antônio, e dali, em barcos menores ou a pé pela trilha da linha do telégrafo até o depósito de presos em Clevelândia.[76]

Cuiabá em 22 de maio de 1925[77]

Trajetória de João Baptista de Araújo[78]

anarquistas de junho de 1925 vieram dos navios-prisão ancorados na costa do Rio de Janeiro[79]

Diferenças de números entre Rogério Alicino e Alexandre Samis[48]

Segundo o jornal O Combate, Gentil Norberto vivia em Belém e nunca passava mais de 24 horas na Colônia.[11]

Gatunos, ex-alunos da Escola Militar[40] 15 líderes anarquistas[74] Até setembro de 1925, quatro faleceram, quatro fugiram e os demais permaneciam na colônia.[80]

O cargueiro Cuiabá deixou o porto de Paranaguá com os prisioneiros de Catanduvas no início de junho de 1925 para uma viagem de 21 dias até o Oiapoque. Numa escala no Rio de Janeiro para abastecer água e carvão, ele recebeu 23 "conspiradores" e cerca de 130 criminosos comuns e mendigos.[81]

Geografia e organização

Isolados na floresta amazônica, tinham o rio Oiapoque e a própria mata como muros.[82] libertários eram o grupo mais coeso[83] os anarquistas encontraram tempo para palestras, canções e estudos durante os momentos de ócio[84][85] alfabetização de filhos de colonos[86] Vários escreveram poemas nesse período.[87] O 1.° de maio de 1925 foi celebrado por alguns anarquistas e colonos com o cântico da Internacional.[88] regime semiaberto[89]

Os militares que fizeram mea culpa pela sua participação no levante foram privilegiados com cargos na administração e no hospital.[68] Os prisioneiros conviveram com os colonos originais da região. A reação inicial dos colonos foi de medo, mas muitos dos prisioneiros acabaram aceitos em seu meio.[90]

Quando os barracões não deram conta de alojar todos os prisioneiros, os excedentes dormiram sob as árvores ou o assoalho das casas até construírem pequenos abrigos nas horas livres.[91]

A mão-de-obra dos presos construiu uma capela, uma escola e a Ponte Artur Bernardes e ampliou o Hospital Simão Lopes.[91] construções[92]

Conforme a narrativa oficial do padre Rogério Alicino, publicada em 1970, "a chegada, dentro em prazo breve, de mais de mil pessoas, criou problemas de peso na vida da Colônia. [...] Em primeiro lugar, escassearam os alojamentos. O Engenheiro Gentil Norberto mandou construir outras casas, além de um grande barracão situado perto da atual serraria, ajudando-se da mão de obra dos próprios presos. [...] A fim de desfrutar de toda a mão de obra, agora até de sobra, foi construída, perto do lugar denominado Sibéria, uma usina para a extração da essência de pau-rosa [...] Os presos, de seu lado, não deixaram de empecilhar a vida da Colônia. Entre eles havia duas categorias: os políticos e os criminosos; estes em maior número e de ‘péssimos antecedentes’, segundo afirma o Senador Calmon".[93]

Condições de vida e trabalho

Sujeitos urbanos do Brasil meridional foram transferidos a costumes, paisagens e clima estranhos.[82] Segundo Calmon, a colônia era "perfeitamente instalada, com recursos suficientes para distribuir uma alimentação abundante e dotada de um excelente hospital. Nada faltou em matéria de alimentação e assistência médica"[94] O jornal alegou que as epidemias eram ocasionais, trazidas do Sul, e assolaram vários lugares, e não só Clevelândia. Inquéritos oficiais em 1925 e 1926 determinaram que a alimentação, alojamento e integridade física dos prisioneiros estavam garantidas.[95]

Os prisioneiros recebiam chapéus de palha, paletó e calças de brim azul e trabalhavam nove horas diárias em diversos serviços determinados pelo Centro Agrícola. Os trabalhos mais pesados eram a capinação de roça e carregamento de toras de madeira do rio à serraria; eles eram inicialmente reservados aos criminosos comuns e depois partilhados com os veteranos de Catanduvas. O trabalho em Clevelândia não era remunerado. Os serviços particularmente pesados eram recompensados com cigarros, e os serviços de maior responsabilidade (mecânicos, eletricistas, cozinheiros do hospital e escriturários) recebiam gratificações anuais de dez a 200 mil-réis.[96] Domingos Passos e outros prisioneiros auxiliavam o serviço de enfermagem[97] Segundo Gentil Norberto, os prisioneiros não foram maltratados, somente os criminosos comuns precisaram trabalhar, e por apenas quatro horas e meia por dia, na limpeza da sede e outros serviços, recebendo cigarros e pequenas remunerações. Após a chegada dos deportados, uma de suas primeiras iniciativas teria sido a proibição rigorosa do castigo corporal. Qualquer abuso ocorreu "nunca com o apoio ou a anuência da administração".[98]

O diretor da seção de Estado (?), Oldemar Murtinho, apresentou ao Ministério da Agricultura um relatório sobre o local. O documento objetivava uma apresentação positiva da Clevelândia, mas descreveu os presos como homens "raquíticos e tristonhos", que andavam como "condenados à morte que seguem para o patíbulo retardando o passo", "dando à impressão de que o impaludismo tornou-os imprestáveis para o resto da vida".[34]

Gentil Norberto usou a mão-de-obra dos presos para construir casas adicionais, um barracão e um trapiche.[99] Concentrada nos presos, a diretoria negligenciou os colonos[100]

O jornal apresentou um documento assinado por mais de vinte ex-presidiários com agradecimentos a Gentil Norberto e demais funcionários, agradecendo "pelo bom trato que ali nos foi dado, além de roupa, calçado, cigarros, chapéis, assistência médica e hospitalar, boa e farta comedoria e respectivo agasalho nas hospedarias construídas para tal fim".[101] Mas conforme denúncia de muitos presos retornados, eles foram obrigados, ao passarem por Belém, a assinar um documento declarando nunca ter sofrido violência ou privação.[102]

Trabalho forçado, doenças e torturas[103] fuzilamentos simulados pelos guardas[104] "umbigo de boi" (chicote de açoite), palmatória e cafua, que era um pequeno quarto com telhas de zinco e calor sufocante.[92]

Espancamento por outros presidiários[105] hospital[106] governo organizou grupos de presidiários com depoimentos favoráveis, mas as denúncias ecoaram muito mais[107] geladeira francesa[108] fiscalização colocada sob responsabilidade de prisioneiros comuns[109][68] Umidade e calor intensos, condições insalubres, sem condições de tratar das enfermidades[110] Everardo Dias descreveu os sobreviventes "curvados, magros, amarelados, sem coragem, sem ânimo e sem vitalidade", em cujos "rostos escaveirados e cor de cera apenas os olhos sobressaíam... no mais pareciam múmias"[84][111]

Nas trincheiras de Catanduvas, aqueles militares já estavam desnutridos, doentes e em sua maioria, descalços e seminus. Enfileirados e vigiados por guardas armados, caminharam mais de 100 quilômetros até a estação ferroviária de Irati.[81] No percurso de navio, eram alimentados pela manhã com um pouco de mate e um biscoito. A alimentação principal consistia em feijão fradinho e pouco mais de cem gramas de carne verde mal cozida. A comida descia pela mesma abertura pela qual subiam os dois barris de madeira nos quais os prisioneiros urinavam e defecavam.[112]

Mortalidade

Segundo Bruno de Almeida Magalhães, biógrafo de Artur Bernardes, "a despeito da salubridade do local, houve uma epidemia de febre tifoide, em que pereceram alguns prisioneiros", mas "toda a lenda acerca de Clevelândia foi irrespondivelmente refutada pelo senador Miguel Calmon, Ministro da Agricultura durante o governo de Bernardes, durante as sessões de 29 e 30 outubro de 1927, sem ter sofrido a menor contestação". Essas alegações são contraditas pela elevada mortalidade dos prisioneiros demonstrada pela bibliografia especializada.[113]

era a leva em piores condições de saúde[114] quando chegaram os prisioneiros de Catanduvas, já havia mortes entre os prisioneiros das levas anteriores[115]

Em 7 de janeiro, A Nação anunciou uma lista completa com 325 mortos em Clevelândia. Em 4 de fevereiro, um ex-sargento da Armada, encarregado do cemitério local, declarou ao jornal que faleceram 650 prisioneiros, sem contar os que morreram nas fugas.[55]

Após a chegada dos prisioneiros de Catanduvas, eclodiu uma epidemia de disenteria bacilar entre os presos e colonos[116] Segundo Lauro Nicácio, a qualidade e quantidade do alimento diminuiu após Deocleciano Coelho de Souza assumir a direção da colônia em julho de 1925[97] Na sua argumentação, Miguel Calmon ressaltou que a disenteria bacilar matou muito mais prisioneiros do que o impaludismo, doença endêmica da região[117]

Segundo o relatório de Oldemar Murtinho, o primeiro livro de registros foi extraviado. Com ele, perderam-se dados sobre 88 mortes.[118]

Segundo Lauro Nicácio, o número de óbitos chegou a doze por dia.[119] O sepultamento era inicialmente um trabalho exclusivo de criminosos e vadios do Rio de Janeiro.[119]

Os mortos anarquistas incluem Pedro Mota, José Maria Fernandes Varella, Nicolau Paradas, Ninio Martins e José Alves do Nascimento, este último, ex-secretário da União dos Operários em Construção Civil.[88]

"pela manhã, todos eram obrigados a juntar os corpos dos presidiários que tinham morrido durante a noite"[120]

Os tratamentos no Hospital Simão Lopes limitavam-se a comprimidos ou injeções de quinino. O hospital aplicava 120 injeções por dia com apenas duas agulhas, que ficaram rombudas com o uso intensivo, provocando úlceras e edemas na pele.[121] Os cem leitos do hospital e 88 da enfermaria não eram suficientes, e muitos doentes aguardaram uma vaga no lado de fora.[119]

Sobreviventes voltaram amarelados, magros e curvados, com fígado enfermo e pés inchados. Alguns morreram dias depois da chegada.[122]

Um porta-voz do governo Bernardes declarou em 1928 que a mortalidade fora de aproximadamente 43%[111]

O número de mortos teria sido exagerado para atacar o governo.[95]

Carlo Romani caracteriza o local como um campo de concentração. O próprio Arquivo Artur Bernardes usa o termo, mas é preciso levar em conta que antes do nazismo o campo de concentração não tinha a conotação de um campo de extermínio planificado.[89] Para o jornal A Noite, "Bernardes encontrara uma forma legal de extermínio, sem necessidade de recorrer à guilhotina e ao fuzil"[123]

Perdurou na memória popular a história de um preso, condenado à morte, que teria cantado à beira de uma cova:[124]

Adeus rio Oiapoque,

sepulcro dos infelizes
a ouvir minhas preces
até as pedras se maldizem.
Já não vejo minha mãe,
pois me falta a liberdade.
Quanto é triste ter saudade.
Quanto é triste ter saudade.

Fugas

Destacamento do Exército na colônia

O contingente de guardas era muito pequeno para a vastidão do perímetro, que era fácil de evadir. A floresta em si era o obstáculo maior.[118] Por volta de junho de 1925, as fugas anteriores já haviam deixado a administração mais atenta. Conforme Lauro Nicácio, qualquer suspeita de plano de fuga levava ao espancamento, e vários pescadores foram presos e tiveram suas embarcações confiscadas.[125][96] Segundo Domingos Braz, a maioria das fugas ocorreram pelo planejamento em grupo. O primeiro a fugir foi o operário Pedro Carneiro, em 17 de fevereiro de 1925, mas este foi por conta própria. Ele chegou a Belém e foi dali ao Rio de Janeiro, de onde arrecadou 300 mil réis para seus camaradas na Clevelândia.[126] A última fuga de militantes ocorreu na madrugada de 11 para 12 de dezembro de 1925.[127]

Vários morreram por falta de medicamentos em Saint George[128]

Os anarquistas Domingos Braz, Nino Martins, Pedro Mota, Manuel Ferreira Gomes, José Batista da Silva, Tomás Deslits Borges e José Martins Fernandes Varella conseguiram fugir para Saint-Georges, na margem francesa do rio Oiapoque. Após um mês de estadia, eles ainda estavam desempregados e os recursos enviados por amigos se esgotaram. Não havia dinheiro para uma viagem até Belém ou Caiena. Em 12 de março de 1927, Pedro Mota comunicou a morte de Ninio, Varella e Paradas ao jornal A Plebe. Em 12 de janeiro de 1928, uma carta enviada a São Paulo noticiou o falecimento de Mota em Saint-Georges. Mas vários dos fugitivos conseguiram deixar o povoado; Domingos Braz e outros foram a Belém, Biófilo Panclastro foi a Caiena e partiu de canoa à Colômbia e o pedreiro José Batista da Silva internou-se na floresta e, para surpresa de todos, apareceu em Belém.[129]

Legado

"os sobreviventes da Clevelândia pedem perdão por terem se insurgido contra um governo tão honesto e um presidente tão digno"[130]

Referências

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Bibliografia

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