Refugiado climático
Refugiados climáticos ou ambientais são pessoas forçadas a deixar o lugar em que vivem, de maneira temporária ou permanente, em virtude de eventos climáticos e ambientais, de origem natural ou humana, que colocam em perigo a sua existência ou afetam seriamente a sua condição de vida.[1][2] Algumas das causas de migrações motivadas pelo clima são a desertificação, a subida do nível do mar, secas, e a interrupção de eventos climáticos sazonais, como as monções. Existe uma correlação estatisticamente significativa entre migrações e a degradação ambiental, incluindo mudanças climáticas, como demonstrado por Afifi e Warner (2007), mesmo controlando para outras causas de migração na análise.[3]
Segundo o Relatório Mundial de Desastres de 2001 (World Disasters Report 2001 [1]), publicado pela Cruz Vermelha, mais pessoas são forçadas a abandonar suas casas graças a desastres ambientais do que guerras.[4] A Cruz Vermelha estima que aproximadamente 25 milhões de pessoas poderiam ser consideradas, atualmente, refugiados ambientais.[5]
Debates sobre a categoria "refugiado ambiental ou climático"
[editar | editar código-fonte]A Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados, de 1951, define “refugiado” como a pessoa que teme ser perseguida em razão da sua raça, da sua religião, da sua nacionalidade, do fato de pertencer a um determinado grupo social ou em função de suas opiniões políticas; situações que, à evidência, não abrangem os refugiados climáticos e ambientais. [6] Por essa razão, o termo deslocados ambientais ou climáticos[7] [8] também pode ser encontrado.
Nesse cenário, existe um debate sobre como garantir juridicamente a proteção a essas pessoas que se encontram nessa condição de deslocados climáticos e ambientais e que juridicamente não são reconhecidas como refugiadas. Basicamente, duas estratégias são debatidas sobre como tratar essa questão sob a ótica do direito internacional[9].
A primeira delas é a modificação dos instrumentos convencionais internacionais já existentes, como a já mencionada Convenção de Genebra sobre o Estatuto dos Refugiados ou a própria Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, para incluir, em seus textos respectivos ou em protocolos adicionais, a categoria de refugiados ou deslocados climáticos e ambientais[2].
A segunda alternativa debatida é a elaboração de uma nova convenção internacional específica sobre o assunto. Existe um Projeto de Convenção Internacional sobre o Estatuto Internacional dos Deslocados Ambientais[10], proposto por um grupo de juristas do direito ambiental e dos direitos humanos ligados à Universidade de Limoges, na França.
A elaboração de uma convenção internacional sobre a matéria e a consagração de um estatuto jurídico específico para os deslocados climáticos e ambientais defrontam-se com resistências importantes, em especial em um contexto em que se teme o aumento dos fluxo migratórios dos países periféricos mais fortemente atingidos pela mudança climática.[9]
Decisão do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas
[editar | editar código-fonte]Em decisão inédita de janeiro de 2020, o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas determinou que pessoas deslocadas por questões climáticas não podem ser devolvidas aos países onde suas vidas podem estar sob risco devido às alterações que vêm afetando o clima global[11].
O julgamento se refere ao caso do pedido de proteção feito por Ioanne Teitiota, da República de Kiribati - um arquipélago do Pacífico - sob risco de desaparecer devido à elevação do nível dos oceanos[11]. Ioanne vivia com sua família na Nova Zelândia desde 2013 e alega ter sido forçado a migrar devido à situação instável que a elevação do mar tem causado em sua terra natal, por exemplo a insegurança hídrica e conflitos por terra. [11] Ao ter a renovação de seu visto de residência negada, Ioanne entrou com um pedido de asilo - que foi negado pela Nova Zelândia, com argumentos de que sua vida não corria risco iminente, já que havia tempo para reverter o impacto da mudança do clima em Kiribati[11].
Embora essa reivindicação de proteção tenha sido negada por motivos de não estar em risco iminente (elemento da definição legal de refugiado na já mencionada Convenção de Genebra de 1951), o comitê determinou que as pessoas que fogem dos efeitos das mudanças climáticas e desastres naturais não devem ser devolvidas ao seu país de origem caso, ao retornarem, seus direitos humanos básicos estiverem em risco.[12] As decisões elaboradas pelo Comitê da ONU não possuem força legal, mas alguns especialistas consideram que ela estabelece um importante precedente global na questão dos deslocados por questões climáticas[13]. Segundo o ACNUR no Brasil, esta é uma decisão histórica, com implicações potencialmente abrangentes para a proteção internacional das pessoas deslocadas no contexto de mudanças climáticas e desastres naturais[12].
Casos de migrações climáticas
[editar | editar código-fonte]Entre 22 mil e 10 mil anos antes do presente, a Europa Setentrional, a Ásia e a América do Norte foram abandonadas pelas populações humanas por causa da última Era Glacial, quando o corredor de gelo se fechou e as rotas costeiras congelaram. O aquecimento global 52 mil anos antes do presente resultou na colonização da Europa, por migrantes vindos do Oriente Médio.[14]
No século XXI, o problema é especialmente sentido nas zonas costeiras e em ilhas. Os habitantes das ilhas Carteret, na Papua-Nova Guiné, evacuaram o arquipélago como resultado da subida do nível do mar, em 2002, atribuída ao aquecimento global. Eles estiveram entre os primeiros refugiados das mudanças climáticas atribuídas ao aquecimento global.[15][16] Outros habitantes de regiões de baixa elevação também estão sob risco. Tuvalu, Kiribati e as Maldivas são regiões vulneráveis às elevação no nível do mar e à mudança das marés.[17][18][19]
Outras regiões onde houve registro de refugiados climáticos recentemente são: a África, onde cerca de 10 milhões de pessoas migraram, no curso das duas últimas décadas, fugindo dos efeitos da desertificação e da degradação ambiental;[20] a ilha de Bhola, em Bangladesh, onde o aumento do nível do mar deixou 500.000 desabrigados desde 1995;[21] e a vila de Shishmaref, no Alaska, onde a perspectiva dos habitantes locais no futuro próximo é a de evacuação total da população, com a elevação do oceano.[22] No contexto da América Latina, é possível mencionar o fluxo migratório de haitianos para o Brasil após o terremoto de 2010.
Ver também
[editar | editar código-fonte]Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Essam El-Hinnawi, Environmental Refugees, UNEP, 1985.
- Jane McAdam, Climate Change, Forced Migration, and International Law, Oxford University Press, 2012.
- Jane McAdam, Forced Migration, Human Rights and Security (Studies in International Law), Hart Publishing, 2008.
- Bogumil Terminski, Environmentally-Induced Displacement. Theoretical Frameworks and Current Challenges, CEDEM, Université de Liège, 2012.
- Gaia Vince, Nomad Century, Allen Lane, 2022.
- Laura Westra, Environmental Justice and the Rights of Ecological Refugees, Routledge, 2009.
- Gregory White, Climate Change and Migration: Security and Borders in Warming World, Oxford University Press, 2011.
Referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ COURNIL, Christel. Les défis du droit international pour protéger les “réfugiés climatiques”: réflexions sur les pistes actuellement proposées. In: COURNIL, Christel; COLARD-FABREGOULE, Catherine. Changements climatiques et défis du droit. Bruxelles: Bruylant, 2010, p. 347).
- ↑ a b SILVA, Solange Teles da. O direito internacional do meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 46-48).
- ↑ Afifi, T., Warner, K. 2007 The Impact of Environmental Degradation on Migration Flows across Countries UNU-EHS working paper no. 3. Bonn.
- ↑ Terminski, B. 2011, Towards Recognition and Protection of Forced Environmental Migrants in the Public International Law: Refugee or IDPs Umbrella, Proceedings of the Policy Studies Organization Summit, Washington DC
- ↑ World Disasters Report 2001 International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies.
- ↑ «Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (1951)» (PDF)
- ↑ COURNIL, Christel. Les défis du droit international pour protéger les “réfugiés climatiques”: réflexions sur les pistes actuellement proposées. In: COURNIL, Christel; COLARD-FABREGOULE, Catherine. Changements climatiques et défis du droit. Bruxelles: Bruylant, 2010, p. 347-350).
- ↑ PRIEUR, Michel. Droit de l’environnement, droit durable. Bruxelles: Bruylant, 2014, p. 998-1000.
- ↑ a b «A questão dos "refugiados" climáticos e ambientais no Direito Ambiental». Consultor Jurídico. Consultado em 14 de novembro de 2020
- ↑ «PROJET DE CONVENTION RELATIVE AU STATUT INTERNATIONAL DES DÉPLACÉS ENVIRONNEMENTAUX» (PDF)
- ↑ a b c d Equipe, MigraMundo (24 de janeiro de 2020). «Deslocados climáticos não podem ser devolvidos aos países de origem, decide comitê da ONU». MigraMundo. Consultado em 14 de novembro de 2020
- ↑ a b «Decisão do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre mudança climática dá sinal de alerta, diz ACNUR». UNHCR (em inglês). Consultado em 14 de novembro de 2020
- ↑ editor, Kate Lyons Pacific (20 de janeiro de 2020). «Climate refugees can't be returned home, says landmark UN human rights ruling». The Guardian (em inglês). ISSN 0261-3077. Consultado em 14 de novembro de 2020
- ↑ "Journey of mankind"
- ↑ "Islanders face rising seas with nowhere to go", Greg Roberts, Sydney Morning Herald, 30 de março de 2002
- ↑ "Rudd's chance to rebuild ties with the Pacific"[ligação inativa], David Peebles, Canberra Times, March 6, 2008
- ↑ "Sinking Pacific atolls 'may be abandoned in a generation'", AAP, 4 de março de 2008
- ↑ "Tiny Nations Seek Climate Help at UN"[ligação inativa], John Heilprin, AP, 12 de fevereiro de 2008
- ↑ "Kiribati's President: 'Our Lives Are At Stake': For the Islands of Kiribati, Global Warming Poses Immediate Dangers", ABC News, 2 de abril de 2007 (with photos)
- ↑ "No place like home - climate refugees" Arquivado em 7 de novembro de 2009, no Wayback Machine. The Environmental Justice Foundation, 2009
- ↑ "In Flood-Prone Bangladesh, a Future That Floats", Emily Wax, Washington Post, 27 de setembro de 2007
- ↑ «Human and Economic Indicator - Shishmaref». Arctic change - near real time Arctic Change Indicator Website. 2006. Consultado em 10 de agosto de 2009